A Batalha de Sarandi

A Batalha de Sarandi

Trechos retirados do livro "Registros do Futebol Santa-Mariense Volume 3", do autor Candido Otto da Luz

Terminada a partida em Sarandi, iniciou uma verdadeira batalha campal. Os jogadores do Ipiranga haviam prometido uma surra em Jorge Anadon, independente do resultado da partida. Jogadores, dirigentes e comissão técnica do Internacional tiveram que receber o apoio da Polícia de Choque da Brigada Militar. Objetos eram jogados contra os integrantes da comitiva do Internacional. Houve ameaça de invasão de campo por parte da torcida, contornada pela pronta atuação da Brigada Militar. […]

O jornalista e radialista Cezar Saccol narrou o jogo para a Rádio Guarathan de Santa Maria e apresenta o seu depoimento sobre os acontecimentos que antecederam e procederam à partida. Lembra Cezar Saccol:

“Nada mais próprio do que a denominação de ‘Batalha de Sarandi’ para o que aconteceu naquele 11 de dezembro de 1991 lá em Sarandi. Foi um daqueles fatos que a gente pôde prever que aconteceria, porque em Santa Maria, no primeiro turno, houve muita confusão, expulsões, muito atrito entre jogadores do Internacional e Ipiranga.

O Internacional na época era treinado por Francisco Neto, o Chiquinho, jogadores como Jorge Anadon e outros, chamados de ‘Bruxos do Chiquinho’ faziam parte do grupo. Tão logo terminou a partida em Santa Maria, com empate de 1×1, entrevistados jogadores, técnico e dirigentes do Ipiranga, eles na oportunidade já anunciaram que iria ter ‘a volta’ lá em Sarandi. Que o Internacional se preparasse porque iria enfrentar uma guerra no segundo turno. Isso gerou uma preocupação muito grande aqui em Santa Maria por parte do Internacional e das próprias emissoras de rádio, que sabiam que o clima seria muito tenso. Inclusive teve muita ente da imprensa que arrumou ‘desculpas’ para não comparecer em Sarandi no jogo da volta.

O fato se constatou tão logo chegamos a Sarandi. Nossa equipe foi até a copa para tomar um refrigerante e fazer um lanche. Nesse local encontramos alguns jogadores que atuavam no Ipiranga, mas que já haviam passado pelo Internacional, como é o caso de McGregor e Rochester. Eles foram bem claros, assim que começamos a conversar: ‘hoje não há hipótese de não acontecer tumulto depois do que ocorreu em Santa Maria’. O jogo se desenvolveu de forma acirrada, disputada entre as duas equipes, com bastante viralidade entre as duas partes, principalmente pelo Ipiranga. O jogo pode-se dizer que foi normal, com a dureza que caracteriza jogos importantes entre equipes do interior do Rio Grande do Sul.

O Internacional acabou vencendo por 1×0, gol do Cássio, conquistando o título. Quando se aproximava o término da partida, já se notava que alguns jogadores do Ipiranga passaram a ficar mais perto do reservado do Internacional, onde estavam dirigentes, médico, técnico e jogadores reservas e substituídos. Assim que o árbitro Luiz Cunha Martins deu por encerrada a partida, os jogadores do Ipiranga correram ‘em massa’ em direção ao reservado e o que se viu foram socos, pontapés e tudo o que vocês podem imaginar. ‘Fechou o tempo’. Jogadores do Internacional se defendendo e correndo para o meio do campo, sendo protegidos, depois de muita briga, pelos integrantes da Brigada Militar, que utilizou seus escudos para proteger os santa-marienses, formando uma espécie de barreira contra as pedras, paus, etc., que estavam sendo jogados para dentro do campo tentando atingir os integrantes da comitiva do Internacional. Isso durou um bom tempo, incluindo foguetes e rojões lançados pelos torcedores locais.”

“A própria imprensa de Santa Maria sentiu na pele a revolta dos torcedores. Eu, por sorte, escapei ileso. Acho que me confundiram com algum integrante de emissora da região. A outra emissora de Santa Maria, teve seus fios cortados. Alguns colegas de outra emissora levaram empurrões e tapas. Das que eu vi, sem dúvidas, a maior confusão em campo que eu já presenciei ao longo da minha vida. Para que você e os leitores possam ter uma ideia, por volta dos 35 minutos do segundo temp, o nosso comentarista, Moreira Reis, bastante nervoso e preocupado com o clima que já se formava, ele apontou para mim o local onde estava o carro da Rádio Guarathan. Simplesmente não dava para enxergar o carro, tal era o número de torcedores que cercavam e pulavam em cima do mesmo, inclusive danificando a lataria com riscos feitos por materiais como pedras, paus, etc. Por milagre os pneus não foram furados. Para sairmos do estádio, tivemos que ser acompanhados por policiais militares, mesmo assim abaixo de pedradas.

Foi um episódio para guardar na memória e não esquecer mesmo, nisso que ficou conhecido como a ‘Batalha de Sarandi’ pela imprensa, até em alusão a uma batalha que houve naquela região, que faz parte da história do Rio Grande do Sul. Inclusive há na cidade placas, momentos, etc., alusivos a essa batalha.

O árbitro Luiz Cunha Martins teve uma boa atuação. Não se deixou intimidar pelo clima da partida, até expulsando um jogador do Ipiranga ainda no primeiro tempo, coisa que poucos árbitros teriam coragem de fazer. Não fosse ele, o árbitro, então um dos melhores do Estado, a confusão poderia ter sido maior.

O técnico Chiquinho foi um dos que mais apanhou, mas foi geral. O meio-campo Jorge Anadon criou muita confusão aqui em Santa Maria no primeiro jogo, também foi um dos mais visados. Mas pode-se dizer que foi generalizado: técnico, jogadores e dirigentes, médico e massagista. Por isso eu digo que o ocorrido em Novo Hamburgo dia 28 de setembro de 2003, pela Segunda Divisão entre Novo Hamburgo e Internacional, foi ‘café pequeno’ comparado com aquele 11 de dezembro de 1991 em Sarandi.”